A MP da Liberdade Econômica aterrissou em nosso mundo jurídico com muitos anos de atraso. Afinal, o Brasil é dos países mais difíceis do planeta para empreender: segundo o Banco Mundial, somos a nação mais burocrática do mundo.
Do alto das nossas quase 2 mil horas anuais de obrigações contábeis e dos R$ 60 bilhões ocupados anualmente com compromissos tributários, ter uma empresa significa, para qualquer empresário, falta de apoio do Estado, grandes dificuldades para conseguir de crédito e, em caso de insucesso, prestação de contas à Justiça para o resto da vida. Mas a MP, que agora foi convertida em lei, promete atenuar esse cenário.
Mas você sabe, na prática, o que essa medida provisória muda na rotina do empreendedor brasileiro? Analisaremos ponto a ponto a Lei 13.874/2019 para lhe trazer as respostas!
O que é MP da Liberdade Econômica?
A Medida Provisória 881/2019, criada pelo governo federal para desburocratizar as relações entre empresas e Estado, foi convertida na Lei 13.874 em 20/09/2019. Desde sua concepção, o objetivo era destravar a economia, facilitar a geração de empregos e evitar a presença do Estado como “inimigo do empreendedor”.
Na prática, a MP da Liberdade Econômica acabou se tornando um “pot-pourri” de alterações legislativas diversas, abrigando pequenas mudanças em inúmeras leis, como Código Civil e Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Embora especialistas alertem que, por segurança jurídica, essas mudanças deveriam ser fruto de reformas mais profundas, a iniciativa tem o mérito de derrubar pequenos formalismos e exigências artificiais que sufocam o empresário na areia movediça dos processos.
Como a MP da Liberdade Econômica muda a vida do empresário?
As principais mudanças você confere abaixo, em detalhes.
Fim dos alvarás para atividades de baixo risco
O carro-chefe da Lei da Liberdade Econômica é a derrubada da necessidade de alvarás para atividades de baixo risco (art. 3º). Pode parecer pouco, mas isso já faz muita diferença na vida do micro e do pequeno empresário.
Até então, o livre exercício de empresas como agências de viagens e escritórios de publicidade exigia autorização do Estado por meio de alvarás. Estes, além de envolverem custos e meses de papelada, em alguns casos submetiam o empreendedor até mesmo a vistorias in loco de fiscais do Poder Público.
O art. 3º, inciso I, declara que é direito de qualquer cidadão empreender em atividades de baixo risco, sem necessidade de solicitar qualquer chancela do Estado, exceto em casos de risco.
As atividades de risco moderado receberão alvarás provisórios para início das operações, e vistorias posteriores serão agendadas para emissão do alvará definitivo. Com a MP da liberdade econômica, apenas atividades de alto risco dependem de vistoria prévia.
Embora o §1º no inciso I do art. 3º fale na necessidade de ato do Poder Executivo para definir quais são as atividades de baixo, médio e alto risco, o inciso seguinte esclarece que, enquanto não houver esse ato, será obedecida a classificação de atividades presente na Resolução nº 51/2019.
Liberdade de horários para empreender
A Lei da Liberdade Econômica também define que as atividades empresariais podem ser realizadas em qualquer dia da semana (incluindo domingos ou feriados), bem como em qualquer horário, sem que o Estado exija cobranças adicionais.
As exceções ficam para os casos que envolverem proteção ambiental, limites de horário para produção de poluição sonora, restrições impostas por condomínios, além das limitações de jornada de empregados.
Liberdade de precificação
O empreendedor é livre para, em mercados não regulados, definir o preço de seus produtos e serviços (art. 3º, inciso III), exceto quando este for usado para reduzir valor de tributo, postergar arrecadação ou enviar lucros “maquiados” como custos ao exterior, bem como quando os preços se chocarem com leis de defesa da concorrência ou do consumidor.
Tratamento isonômico e liberdade de criação
Ao empreendedor, é assegurado isonomia no tratamento do Estado, inclusive podendo se valer de decisões administrativas similares ao seu pleito para conseguir aprovações (art. 3º, inciso IV).
O empresário também é livre para criar novos produtos e serviços, de modo que a evolução da tecnologia não encontre obstáculo na desatualização das normas infralegais (art. 3º, inciso VI).
Fim da análise de processos “ad eternum”
O inciso IX do art. 3º é dos mais inovadores da MP da liberdade econômica. Ele determina que, a partir de agora, qualquer análise de processos por parte do Poder Público deve ser precedida de previsão de prazo de conclusão — tempo que, após transcorrido, sem resposta, transforma-se em aprovação tácita para todos os efeitos, exceto nas hipóteses definidas em lei ainda a ser editada.
Essa medida acaba com aqueles casos de “silêncio eterno” da administração pública sobre processos ligados à iniciativa empresarial do cidadão (por extravios, por exemplo).
Gestão de documentos eletrônicos
O arquivo digital se equipara aos documentos físicos para quaisquer fins, não podendo exigir o Estado a impressão de papéis (§ 7º do art. 2º-A da Lei 12.682/2012). Cabe apenas ao contribuinte provar sua autenticidade e integridade por meio de uma certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
O mesmo artigo, em seu caput, permite o arquivamento eletrônico de quaisquer documentos públicos ou privados, sendo que, uma vez constatada sua integridade, o documento físico correspondente pode ser descartado (nos termos de regulamento ainda pendente).
Já o arquivo eletrônico pode ser deletado sempre que for constatada a decadência ou prescrição de seu conteúdo (§3º do art. do art. 2º-A).
Mudanças na CTPS
Outra inovação trazida pela MP da liberdade econômica à gestão de documentos é que, a partir de agora, a Carteira de Trabalho (CTPS) deve ser, preferencialmente, emitida por via eletrônica (art. 14 da CLT).
A CTPS digital deverá ser identificada apenas com o número do CPF (não mais com um número específico), e o empregador terá 5 dias úteis para efetuar os registros devidos (ante as 48 horas da lei anterior).
Controle de ponto
Até a edição da Medida Provisória da Liberdade Econômica, apenas empresas de até 10 empregados estavam dispensadas de fazer controle de jornada (em livro de ponto ou registro eletrônico). Com a alteração no §2º do art. 74 da CLT, esse limite aumenta para 20 empregados.
Fundos de investimentos
Você percebeu que a norma enxugou/extinguiu muitas burocracias nacionais inexplicáveis. Mas sobrou espaço também para inovação na contabilidade, com medidas que certamente facilitarão o trabalho de advogados e contadores pelo Brasil.
A MP da Liberdade Econômica definiu os fundos de investimento como fundos de natureza especial, afastando a aplicação das regras ligadas aos condomínios em geral (art. 1.368 do Código Civil).
O objetivo é limitar a responsabilidade dos cotistas dos fundos de investimento, protegendo-os de responder por valores acima de suas cotas. Isso porque, nas regras sobre os condomínios em geral, os cotistas respondem de forma ilimitada pelas obrigações assumidas pelos fundos.
Há também restrições no alcance do patrimônio dos sócios em caso de dívidas da empresa, bem como a declaração de que os prestadores de serviços do fundo não respondem pelas obrigações deste — exceto por eventuais prejuízos causados por má-fé ou dolo.
eSocial
O eSocial mal chegou e já vai embora. O art. 16 define que o sistema será substituído, em nível federal, por um “sistema simplificado de escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais”, o mesmo aplicando-se ao “Bloco K”.
Quais pontos estavam no texto original, mas foram vetados pelo Presidente da República?
A MP da Liberdade Econômica foi aprovada com apenas 4 vetos do Presidente da República, entre eles:
- aprovação automática de licenças ambientais;
- flexibilização de testes de novos produtos e serviços (por risco de uso de cobaias humanas);
- criação de um novo regime de tributação (por recomendação do Ministério da Economia);
- entrada em vigor em 90 dias (a entrada em vigor foi feita a partir da publicação).
Outras questões, como trabalho aos domingos e anistia de multas a quem descumpriu a tabela de frete em 2018 (inovação que desagradaria aos caminhoneiros), foram suprimidas do texto ainda durante a discussão no Congresso Nacional.
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